sábado, 15 de setembro de 2007


A GRANDE LAGARTA PELUDA


O bosque transbordava vida e, debaixo do tapete de folhas que cobria o solo, a grande lagarta peluda falava ao seu grupo de lagartas discípulas. Não tinha mudado grande coisa na comunidade das lagartas. O trabalho da grande lagarta peluda era vigiar o grupo para que se conservassem e respeitassem os velhos costumes.
Ao fim e ao cabo, elas eram sagradas.
- Diz-se – falava a grande lagarta peluda, por entre mordidelas na sua comida de folhas – que há um espírito no bosque que está oferecendo a todas as lagartas um contrato novo e melhor. Mnhãm, mnhãm... Decidi conhecer esse espírito e aconselhá-las sobre o que vocês devem fazer.

- Onde é que vai encontrar o espírito? – perguntou uma das discípulas.
- Ele virá até mim – disse a grande lagarta peluda - Ao fim e ao cabo, como vocês sabem, não posso ir muito longe. Não há comida além do arvoredo. Não posso ficar sem comida, mnhãm, mnhãm.
Assim, quando a grande lagarta ficou sozinha, chamou em voz alta o espírito do bosque, e, pouco depois, o grande e tranqüilo espírito aproximou-se dela. O espírito do bosque era formoso, mas grande parte dele ficava escondida, posto que a lagarta não se movia do seu cômodo leito de folhas.

- Não posso ver bem o seu rosto - disse a grande lagarta.

- Vem um pouco mais para cima - respondeu o espírito do bosque com voz amável. - Estou aqui para que me veja.

Mas a lagarta continuava onde estava. Afinal de contas, esta era a sua casa, e o espírito do bosque estava ali porque ela tinha lhe convidado.

- Não, obrigada – disse a grande lagarta peluda. - Isso dá muito trabalho. Diga-me uma coisa: que é isso que andam dizendo por aí sobre um grande milagre, só disponível para as lagartas, e não para as formigas, nem para as centopéias? É mesmo só para lagartas?

- É verdade – disse o espírito do bosque. - Vocês ganharam um presente maravilhoso. E, se decidirem que o querem, dir-lhes-ei como consegui-lo.

- E como é que o ganhamos? – perguntou a grande lagarta peluda, ocupada com a sua terceira folha, desde o princípio da conversa. - Não me lembro de ter concorrido em algum concurso.

- Ganharam através dos seus incríveis esforços de toda a vida, ao fazerem com que o bosque continuasse sendo sagrado – disse o espírito.

- Pois claro! – exclamou a lagarta. - Faço esse esforço todos os dias, todos os dias. Sou a líder do grupo, sabe? Por isso está falando comigo… e não com outra lagarta qualquer.

Ao ouvir este comentário, o espírito do bosque sorriu para a lagarta, embora esta não pudesse vê-lo, posto que tinha decidido não abandonar a sua folha.

- De fato, há muito tempo que faço com que o bosque continue sendo sagrado – disse a lagarta. - E o que é que eu ganhei com isso?

- É um presente maravilhoso – respondeu o espírito do bosque. - Agora é capaz, através do seu próprio esforço, de se converter numa formosa criatura alada, e voar! As suas cores serão impressionantes, e a sua mobilidade deixará boquiabertos todos quantos lhe vejam. Poderá ir voando para onde quiser, dentro do bosque. Poderá encontrar comida em todas as partes, e conhecer novas e formosas criaturas aladas. E tudo isto pode ser feito imediatamente, se você quiser.

- Lagartas que voam?! – refletiu a peluda – É incrível! Se for verdade, mostra-me algumas dessas lagartas voadoras. Sempre quero vê-las.

- É fácil – respondeu o espírito. – Simplesmente, viaja para um lugar mais elevado e olha ao seu redor. Elas estão por todos os lados, saltando de ramo em ramo, e desfrutando de uma vida maravilhosa e abundante, ao Sol.

- Sol! – exclamou a lagarta. - Se realmente é o espírito do bosque, sabe que o Sol é demasiado quente para nós, as lagartas. Cozinha-nos!... Sim, não é bom para o nosso pêlo, sabe? Por isso, precisamos ficar no escuro. Não há nada pior do que uma lagarta com o pêlo feio.

- Quando se transformar na criatura alada, o Sol ressaltará a sua beleza – disse o espírito, amável e pacientemente. - Os velhos métodos da sua existência mudarão radicalmente, deixará os antigos hábitos de lagarta no solo do bosque e será lançada nas novas habilidades das criaturas aladas.

A lagarta ficou calada por um momento.

- Quer que deixe a minha cômoda cama e viaje para um lugar alto, ao Sol, para ter uma prova disso?

- Se necessita de uma prova, é isso que deve fazer – respondeu o paciente espírito.

- Não - disse a lagarta – não posso fazer isso. Preciso comer, sabe? Não posso ir para lugares desconhecidos debaixo de Sol, comendo moscas, enquanto houver trabalho aqui. É muito perigoso!... No entanto, se fosse realmente o espírito do bosque, saberia que os olhos das lagartas apontam para baixo, e não para cima. O grande espírito da Terra deu-nos bons olhos que apontam para baixo, para podermos encontrar comida. Qualquer lagarta sabe isso. O que pede, não serve para uma lagarta – disse a lagarta peluda, cada vez mais desconfiada. - Olhar para cima, não é algo que façamos com freqüência.

E, depois de uma pausa, acrescentou:

- E como é que conseguimos essa história voadora?

Então, o espírito do bosque explicou o processo de metamorfose. Explicou que a lagarta tinha que se comprometer a aceitar a mudança, uma vez que, começado o processo, não era possível voltar atrás. Explicou como a lagarta usava a sua própria biologia enquanto se encontrava no casulo, para transformar-se numa criatura alada. Explicou também que a mudança pediria um sacrifício, um tempo de escuridão silenciosa dentro do casulo, até que tudo estivesse pronto para a transformação numa formosa criatura voadora, multicolorida. A lagarta escutava em silêncio, sem interromper, exceto pelos ruídos da mastigação.
- Vamos ver se entendi – disse irreverentemente a lagarta. - Quer que todas nós nos coloquemos em marcha e tentemos nos ocupar com uma coisa biológica, da qual nunca ouvimos falar? Então, quer dizer que temos que deixar que essa coisa biológica nos encerre totalmente no escuro durante meses?

- Sim. - respondeu o espírito do bosque, que sabia perfeitamente para onde se encaminhava a conversa.

- E você, o grande espírito do bosque, não pode fazer isso por nós, não é verdade? Temos que ser nós mesmas que devemos passar pelo processo?... Pensei que tínhamos ganhado!

- Vocês ganharam-no – disse, tranqüilo, o espírito – e, ao mesmo tempo, também ganharam o poder de se converterem na nova energia do bosque. Inclusive agora mesmo, enquanto está sentada na sua folha, o seu próprio corpo já está equipado para fazer tudo isto.

- O que aconteceu com os dias em que a comida caía do céu, as águas se abriam, os muros das cidades desmoronavam, e outras coisas do gênero? Não sou boba, sabe? Posso ser grande e peluda, mas já estou aqui há algum tempo. Como o espírito da Terra faz sempre a maior parte do trabalho, tudo o que temos que fazer é seguir as instruções… De qualquer modo, se fizéssemos o que nos pede, morreríamos de fome! Toda a lagarta sabe que precisa comer o tempo todo...mnhãm, mnhãm... para continuar viva. O seu novo e grande contrato parece muito suspeito.

A lagarta pensou ainda um momento e rematou ao espírito do bosque:

- Olha… desaparece!

E, ao dizer isto, virou-se para ver onde daria a próxima dentada. O espírito do bosque foi embora em silêncio, tal como lhe fora pedido, enquanto ouvia a lagarta murmurando para si mesma:

- Lagartas que voam!... Mnhãm, mnhãm... O que mais virá?

No dia seguinte, a lagarta fez uma proclamação e reuniu as suas discípulas para uma conferência. Estava tudo parado, enquanto a multidão escutava intensamente para averiguar o que é que a grande lagarta peluda tinha a dizer acerca do seu futuro.

- O espírito do bosque é maligno! – proclamou a lagarta para as suas discípulas. Quer nos enganar e nos levar para um lugar muito escuro, onde certamente morreremos. Quer que acreditemos que os nossos corpos se converterão em lagartas voadoras e, para isso, tudo o que temos que fazer é deixar de comer durante uns meses!

Esta observação foi seguida de uma grande gargalhada.

- O senso comum e a história mostram como sempre funcionou o grande espírito da Terra – continuou a lagarta. - Nenhum bom espírito lhes levará para um lugar escuro!... Nenhum bom espírito lhes pedirá que façam algo – algo tão próprio de Deus – por vocês mesmas. Tudo isto são truques do espírito maligno do bosque.

A lagarta empertigou-se com a sua própria importância, pronta para o comentário seguinte:

- Ah! Mas eu estive com o maligno… e reconheci-o!

As outras lagartas aprovaram loucamente este comentário, e carregaram a grande lagarta peluda nas suas costas peludas, andando em círculos, ao mesmo tempo em que lhe agradeciam por tê-las salvo de uma morte certa.

Deixemos este festival de lagartas e, com cuidado, vamos nos elevar, através do bosque. À medida que a algazarra do solo vai desaparecendo nos nossos ouvidos, subimos acima do tapete de folhas que encobre o solo do bosque, em direção aos raios do Sol. Afastamo-nos pouco a pouco da sombra das folhas, até a área reservada aos que podem voar. E, à medida que a algazarra das lagartas em celebração se afasta dos nossos ouvidos, experimentamos a grandeza das lagartas aladas. Pousando de árvore em árvore, sob a luz brilhante do Sol, encontramos uma multidão de lagartas voadoras, de cores gloriosas, chamadas borboletas, cada uma delas encantada com o esplendor das cores do arco-íris… algumas delas eram velhas amigas da grande e escura lagarta peluda do solo, cada uma delas com um sorriso e com alimento abundante, cada uma delas transformada pelo grande presente oferecido pelo espírito do bosque.


Fonte: Livro IV de
Kryon – As Parábolas de Kryon

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